BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta do governo de destinar parte da complementação adicional da União ao Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família, é para manter a população na ignorância e garantir votos ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022.
As declarações são do presidente da comissão especial da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Fundeb, deputado Bacelar (Podemos-BA), em resposta à sugestão da equipe econômica de reduzir o repasse da União para o fundo, principal mecanismo de financiamento da educação básica.
A Câmara planeja iniciar nesta segunda (20) a votação da PEC do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Distante das discussões desde o ano passado, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) ainda tenta desidratar o texto.
Neste sábado (18), dois dias antes da votação na Câmara, o governo sugeriu a líderes partidários que o Fundeb só começasse a vigorar a partir de 2022 e que metade da complementação adicional de 10% da União fosse repartida com o Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família.
“Ele quer transformar o Fundeb de um fundo educacional para um fundo de assistência social. Quer comprar o voto da miséria”, critica Bacelar. “Quer que 5% [da complementação] vá para o novo Bolsa Família. Eu quero 100%, mas numa PEC de assistência social. Isso é uma PEC de educação.” Segundo ele, a ideia de que o Fundeb seja retomado em 2022, ano eleitoral, tem como propósito comprar votos com o novo Bolsa Família. “A proposta da professora Dorinha é inalterável”, diz. “Quem quiser colocar a digital contra a educação do filho de um trabalhador, contra a remuneração digna para os professores brasileiros, que coloque. Vamos mostrar que a história que a educação é prioridade é mito.”
Ele critica o timing do governo. “Me chama atenção uma proposta que tramita há mais de três anos, amplamente discutida, com reuniões técnicas, e o governo nunca se manifestou. A 24 horas da votação de uma emenda constitucional, vem com uma proposta fora do eixo que já se discutiu. Não é uma coisa séria.”
O texto, prevendo que o Fundeb só seja retomado em 2022, foi apresentado no sábado (18) a líderes partidários do chamado centrão –que reúne partidos como PP, PL e Republicanos. A proposta é rechaçada pela relatora da PEC, deputada Professora Dorinha (DEM-TO).
“Circulou entre alguns líderes uma proposta que eu não creio que seja do governo, porque ela é tão esdrúxula, tem tantos pontos inconstitucionais que eu não creio que o governo apresente isso formalmente”, critica Dorinha.
“Significaria um ano de 2021 sem Fundeb. Com a proposta de entrar em vigor só em 2022, vamos ter um apagão na educação pública, porque o Fundeb responde por 63% do financiamento da educação básica”, afirma.
“Então a gente vai dizer que, em virtude da dificuldade financeira, da pandemia, nós vamos fechar as escolas. Vocês fiquem em casa, já ficaram 2020, fica mais 2021.”
O Fundo é responsável por R$ 4 a cada R$ 10 gastos pelas redes públicas de ensino nesta etapa. Sua vigência expira no fim deste ano.
O dispositivo reúne parcelas de impostos e recebe uma complementação da União para estados e respectivos municípios que não atingem o valor mínimo a ser gasto por aluno no ano. O complemento federal atual é de 10% –cerca de R$ 16 bilhões no ano.
A PEC da Câmara torna o Fundeb permanente, amplia a complementação da União para 20%, de modo progressivo até 2026, e altera, entre outras coisas, o formato de distribuição dos novos recursos.
A equipe econômica reclama que o texto não aponta de onde virá o dinheiro novo. Congressistas defendem, por sua vez, que a definição da origem é papel do Executivo.
Contrário à complementação de 20%, o ministro Paulo Guedes (Economia) convocou na semana passada reunião com a relatora do texto, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), para tentar uma mudança.
O ministro tenta incluir o Renda Brasil na PEC como forma de garantir dinheiro ao plano, uma vez que o Fundeb ficou de fora do teto de gastos (regra que limita o aumento de despesas).
A ideia do governo vai na contramão do dispositivo constitucional transitório que estabeleceu o Fundeb e que só permite a aplicação dos recursos do fundo na manutenção do ensino e na remuneração de professores. O Renda Brasil seria um benefício de assistência social.
O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) disse que a Câmara não vai abrir mão de nem um décimo dos 20%.”Se quiserem 25% de complementação com Renda Brasil, acho que ninguém vai se opor, se atrelar o programa à permanência de estudantes”, disse.
Questionado, o Ministério da Economia informou que não iria comentar o tema.
O Fundeb nunca esteve entre as prioridades de articulação do governo Bolsonaro e o ex-ministro Abraham Weintraub (Educação) pouco se envolveu. Em 2019, defendeu alta menor na complementação (de até 15%) e fez coro pela prorrogação do formato atual.
Milton Ribeiro, novo ministro, esteve na reunião na Economia, mas manteve participação discreta.”Acho que temos de ficar atentos à tentativa de usarem a chegada do novo ministro para alterarem o texto”, disse a deputada Professora Dayane Pimentel (PSL-BA).
Após vários adiamentos, congressistas envolvidos no processo conseguiram apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para marcar a votação em plenário já nesta segunda-feira (20) -o tema está na pauta.
Com a alta da complementação, é previsto um incremento de R$ 66,9 bilhões de investimentos da União até 2026 (a depender do crescimento econômico).
O valor mínimo gasto por aluno no país teria uma alta de 39%, passando de R$ 3.427 para R$ 4.778, segundo cálculo da Consultoria do Orçamento da Câmara. O número de municípios beneficiados com a complementação seria 34% maior, das atuais 1.699 cidades para 2.284 em 2026.
O texto prevê a adoção de um modelo híbrido de divisão do dinheiro. A distribuição dos atuais 10% continua sob as mesmas regras, com base na realidade dos estados (e respectivos municípios) que não atingem valor mínimo por aluno.
Parte dos recursos, referentes a 7,5% (a serem atingidos em 2026), serão distribuídos a partir do valor total investido na área por cada rede. Esse modelo contempla municípios pobres (e com baixo investimento) em estados que sejam mais ricos e que, no sistema atual, não são levados em conta.
É esse trecho que Guedes quer desidratar para destinar recursos ao Renda Brasil. A intenção do ministro é reduzir os 7,5% a 2,5% –a diferença iria para o programa que substituiria o Bolsa Família.
Em documento enviado a líderes partidários, a relatora da PEC critica a proposta. “Não cabe transformar a PEC do Fundeb em hospedeira de proposta de outra natureza, por mais relevante que seja, porque perde-se em termos de desenho de política educacional.”
Outra parte dos novos recursos, de 2,5%, será distribuída a redes que obtenham bons resultados em indicadores de aprendizagem. Esse o formato ainda não está definido.
O texto da PEC já atualizou a progressão da complementação, que aumenta para 12,5% em 2021 (antes eram 15%). Também retirou a possibilidade de usar um recurso que já é da área, o chamado salário-educação.
Mas ainda há pontos em disputa, como o veto ao pagamento de inativos e a obrigatoriedade de usar 70% dos recursos com pagamentos de profissionais da educação.
O formato atual prevê que 60% sejam destinados a salários de docentes. Deputados do Novo, por exemplo, afirmam que isso pode engessar os recursos.
O pagamento de profissionais ativos já consome, no entanto, cerca de 80% do fundo em estados e municípios, segundo estudo da organização D3E.
“Não estou aumentando o percentual para pagar professores, eu estou permitindo que pague, nesses 70%, os demais profissionais sem comprometer o investimento na estrutura na escola”, afirmou Dorinha.
Na proposta enviada a líderes, o governo sugere usar fundos constitucionais para custear a complementação adicional do Fundeb. No documento em que rebate a sugestão, Dorinha afirma que o assunto é “estranho à PEC”.
“É prerrogativa do governo apresentar e defender, não cabe ao Congresso definir nessa PEC -o debate tem especificidades. As fontes são competência do Executivo”, diz a relatora.
A alta na complementação aumenta o protagonismo da União no financiamento da educação básica -quase 80% desse dispêndio saem dos cofres dos outros entes. Também busca equalizar o investimento pelo Brasil, uma vez que o gasto com a área varia sete vezes entre os municípios que contam com o menor e maior orçamento.
Na comparação internacional, o gasto por aluno na educação básica no Brasil é bastante inferior ao praticado por outros países.
Em 2016, o país gastou cerca de US$ 3.800 por aluno do ensino fundamental. É menos da metade da média, de US$ 8.600, de países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Os valores são calculados de acordo com a paridade poder-compra.O Chile, por exemplo, investe 35% mais por aluno nos primeiros anos do ensino fundamental.