SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pandemia provocou um embate entre aqueles que defendiam uma quarentena rígida para conter o avanço do vírus e aqueles que advogavam medidas mais flexíveis para limitar o impacto econômico da crise.
A reabertura do comércio nas últimas semanas mostrou que, independentemente das medidas restritivas, o impacto econômico já está dado: mesmo com as lojas abertas, o consumidor está relutante em sair de casa.
A frustração com o movimento observado em lojas, bares e restaurantes levou a uma revisão das expectativas. Na avaliação de associações de empresas, existe, sim, um temor do vírus entre a clientela, mas que o que está pesando para o consumidor é principalmente a falta de dinheiro e a insegurança com sua renda no futuro.
Dados do IBGE divulgados na sexta (17) mostram que a taxa de desemprego acelerou no fim de junho, com o fechamento de mais 1,5 milhão de vagas de trabalho no fim do mês. Entre as empresas, 522 mil suspenderam suas atividades ou fecharam.
Segundo Percival Maricato, presidente da associação de bares e restaurantes de São Paulo, a ocupação desde a reabertura ficou em média 20% do que era antes e limitada sobretudo a espaços abertos, avarandados, como alguns bares na Vila Madalena.
“O consumidor está fragilizado economicamente e temeroso do risco de contaminação. O clima nos restaurantes hoje não é convidativo, ainda está parecendo mais um hospital. Enquanto perdurar essa situação, teremos dificul- dade de atrair o público”, diz.
Esse cenário tem se repetido inclusive em países que adotaram quarentenas muito mais frouxas. “A Suécia não impôs nenhum tipo de limitação e mesmo assim teve 30% de redução de consumo durante os períodos mais intensos da pandemia. Isso ocorre porque as pessoas se sentiram desestimuladas a ir às compras por uma questão de proteção individual”, afirma Luciana Batista, sócia da consultoria Bain & Company no Brasil.
Por essa razão a vacina contra a Covid-19 é tida por empresários e especialistas como o divisor de águas para uma recuperação do movimento, o que, estimam, deve acontecer somente no ano que vem. Enquanto isso, a crise econômica vai continuar agravando a situação de empresas e famílias, deteriorando tanto oferta quanto demanda.
Estudo da Bain & Company de 9 de julho aponta que 66% dos entrevistados no Brasil perderam renda durante a pandemia, sendo que 32% reportam um encolhimento significativo do orçamento.
As expectativas de perda de renda são maiores entre os mais pobres (renda familiar mensal de até R$ 2.078). Entre esses, 35% esperam uma redução expressiva, percentual que cai para 22% entre as famílias de renda média (de R$ 2.079 a R$ 10.390) e 9% para as de renda elevada (acima de R$ 10.391).
Cenário semelhante é retratado em pesquisa encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 52% dos brasileiros empregados (com ou sem carteira) tiveram perda total ou parcial de renda ou salário durante a pandemia.
A situação levou a um freio nas despesas: 7 em cada 10 brasileiros dizem ter cortado gastos durante a quarentena, sendo que 36% afirmam que essa redução será permanente. O resultado mostra um aumento de sete pontos percentuais em dois meses –em maio, 29% diziam que o corte seria permanente.
A insegurança quanto ao fluxo de renda no futuro pesa mais na decisão de corte de gastos do que a perda efetiva de recursos (41% ante 29%, respectivamente), segundo a pesquisa. As portas fechadas do comércio ficam em terceiro lugar na lista de motivos para não gastar.
“A gente sabia que o consumidor estaria receoso por uma questão sanitária evidente, e também por uma de confiança, porque há uma crise econômica em curso”, diz Fabio Pina, assessor econômico da FecomercioSP. A entidade estima uma perda de R$ 53,7 bilhões neste ano.
O índice de confiança do consumidor, calculado pela FGV, atingiu em abril 58,2 pontos, o nível mais baixo em quase 15 anos –todo o período coberto pela série histórica do indicador. Desde então, o índice se recuperou para a casa dos 70 pontos, mesmo patamar observado quando o Brasil vivia a crise do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Na visão do economista do Ibre (FGV) Rodolpho Tobler, há incerteza, por um lado, quanto à possibilidade de uma segunda onda do vírus, e, por outro, quanto ao ritmo de recuperação da economia, sendo que os dois fatores se cruzam. “Estudos indicam que a recuperação nos lugares onde houve mais mortes têm ficado abaixo do que em lugares onde houve menos”, diz.
Os dados disponíveis até agora apontam que o consumo na Alemanha e na França já se recuperou para níveis próximos do patamar pré-quarentena. Os dois países registraram até o momento cerca de 9.000 e 30 mil mortes, respectivamente. O Brasil já soma quase o dobro das mortes observadas nos dois países (76.822 até a sexta, mostra consórcio de imprensa).
Dada a preocupação com a saúde e a perda de renda, Batista classifica o período atual como o da “grande relutância” do consumidor. Esse cenário, no entanto, tem efeitos econômicos heterogêneos.
Quem deve sofrer mais são as atividades que envolvem produtos e serviços não essenciais, como vestuário e entretenimento. Segundo a pesquisa da CNI, mais de 60% dos brasileiros pretende reduzir a frequência das idas a bares, restaurantes, shoppings e lojas de rua após o fim da quarentena em relação à época pré-pandemia.
“Logo na reabertura do comércio teve um boom, mas depois as vendas foram pífias. Oitenta por cento dos nossos lojistas são de vestuário, e o faturamento caiu mais de 60% em comparação com o ano passado”, afirma Aldo Macri, diretor do sindicato de lojistas de São Paulo.
Esses produtos sofrem não só por sua característica supérflua, mas também porque estão associados a atividades de socialização, diz Batista. “Vestuário para trabalhar e ir a festas, assim como cosméticos, também são impactados porque as ocasiões de uso foram reduzidas.”
Os empresários incluem ainda as restrições para o funcionamento, como limitação de horário e proibição do uso de provadores, como fatores que desestimulam o consumidor.
Mesmo considerando apenas os produtos essenciais, como alimentos, houve uma mudança no mix de compras do consumidor. “Nos supermercados, aumentou muito a venda de produtos básicos, mas caiu a de cosméticos, por exemplo. Então você tem um aumento do faturamento, mas com uma margem menor”, afirma Pina.
Além das diferenças por ramo, o impacto também varia segundo o perfil do negócio. O comércio popular tende a sofrer menos do que os voltados para média e alta renda.
Isso acontece porque, em períodos de crise econômica, o consumidor toma suas decisões de compra por um critério de preço. Com menos renda disponível, tanto os mais pobres quanto a classe média aumentam a fatia de produtos mais baratos, o que coloca um ônus maior nos negócios de perfil intermediário.
Indiretamente, a própria pandemia impulsiona o comércio popular –especialmente o de bairro– porque o consumidor evita grandes deslocamentos, preferindo ficar próximo de casa, diz Pina.
Maricato, da Abrasel, observa efeito semelhante entre bares e restaurantes: os localizados em regiões mais centrais, dependentes do fluxo de trabalhadores de escritório, estão sofrendo mais do que os da periferia.
Enquanto não houver vacina, atravessar a crise vai depender de ações de apoio direto a consumidores e empresas, diz Tobler, da FGV. Medidas como o auxílio emergencial ajudaram a amenizar o impacto da crise sobre o consumo, e um debate quanto à manutenção da política e as formas de encerrá-la deve ser feito, diz o economista.
Do lado das empresas, é necessário fazer o crédito chegar aos pequenos negócios. Macri, do Sindilojas, e Maricato, da Abrasel, também afirmam que, na conjuntura atual, a sobrevivência dos seus setores depende mais de uma ajuda direta às empresas do que estímulos à demanda.