SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Trocar o ministro do Meio Ambiente não vai resolver os problemas do país no setor, avalia o ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos Arminio Fraga. Isso porque o problema vem de cima, da postura do presidente Jair Bolsonaro com relação ao tema, afirma.
“Ele [Ricardo Salles] executa um mandato que é delegado pelo presidente. Se o presidente mudar de ideia com relação a esse tema e, para executar uma visão diferente da política pública nessa área, ele trocar o ministro, tudo bem. Mas se for trocar para colocar um outro que vai fazer a mesma coisa, não vai resolver. Resumindo, o problema vem de cima”, afirma o economista, em entrevista à reportagem.
Fraga está entre os 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central que lançaram nesta terça-feira (14) uma carta reivindicando uma retomada da economia no pós-pandemia atenta às mudanças climáticas e o fim do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
Para o economista, a política antiambiental do governo Bolsonaro afeta investimentos, na medida em que prejudica a confiança no futuro. Ele avalia que seria possível combinar política ambiental e combate à desigualdade no pós-pandemia, mas que o momento é menos de avanços e mais de conter danos irreversíveis.
LEIA A ENTREVISTA:
PERGUNTA – Como o senhor avalia a atuação do governo Bolsonaro na área ambiental?
ARMINIO FRAGA – O governo Bolsonaro tem uma avaliação negativa que ultrapassa as nossas fronteiras. Ela é fruto de atitudes e atos que vão desde questões administrativas até a sensação de que o assunto não é prioritário e de que há uma certa tolerância com relação a crimes ambientais e ao desmatamento. É uma dimensão, de algumas [dimensões] do governo, onde se vê uma postura com frequência obscurantista e pouco preocupada com assuntos que são universalmente aceitos como importantes no longo prazo.
PERGUNTA – A postura antiambiental do governo é uma barreira para a retomada do investimento no pós-pandemia?
ARMINIO FRAGA – É. Ela compõe um quadro que não inspira confiança no futuro, que é o fator mais importante para a retomada do investimento, que tipicamente requer um horizonte de tempo longo. Muitas das grandes carências do país na área do investimento exigem essa visão. Destacam-se aí os investimentos em infraestrutura, mas incluem investimentos em áreas sociais também. Sobretudo aqueles que têm a ver com mobilidade social, igualdade de oportunidades, as coisas que vão além da assistência social e do combate à pobreza. Ambos são fundamentais, mas sabemos que o Brasil precisa ir além, criando condições para acelerar o crescimento e reduzir desigualdades, o que pode e deve acontecer ao mesmo tempo. Nesse contexto, o tema ambiental vai além da Amazônia, além da inserção do Brasil na economia internacional e se conecta com a produtividade da nossa economia, com a qualidade de vida para nós todos. É um quadro amplo.
PERGUNTA – Na sua visão, seria desejável a saída do ministro Ricardo Salles da pasta do Meio Ambiente para que haja uma mudança de rumos no pós-pandemia?
ARMINIO FRAGA – Eu em geral procuro não fulanizar as coisas, porque, bem ou mal, ele foi uma escolha do presidente. Ele executa um mandato que é delegado pelo presidente. Acho que, se o presidente mudar de ideia com relação a esse tema e, para executar uma visão diferente da política pública nessa área, ele trocar o ministro, tudo bem. Mas se for trocar para colocar um outro que vai fazer a mesma coisa, não vai resolver. Resumindo, o problema vem de cima, porque a responsabilidade é do presidente em última instância.
PERGUNTA – O ex-ministro Rubens Ricupero disse em entrevista à imprensa que o momento atual não é de avançar nessa área do meio ambiente, mas de conter danos mais irreversíveis. Essa também é sua avaliação?
ARMINIO FRAGA – É sim. O que não significa que oportunidades não possam surgir para se avançar. Hoje parece pouco provável, mas nunca se sabe. Não é a minha expectativa. Se conseguirmos não andar para trás, já seria razoável nesse momento em que estamos vivendo.
PERGUNTA – É possível combinar as agendas de combate à desigualdade e do meio ambiente na saída da pandemia?
ARMINIO FRAGA – Creio que sim. E aí penso que é importante olhar o tema além da economia do carbono e das mudanças climáticas. É importante essa abordagem mais ampla. Estamos falando da qualidade da nossa vida. Isso tem dimensões sociais muito importantes. Imagina se as praias do Brasil fossem limpas, se os rios fossem mais limpos, se o ar que as pessoas respiram fosse mais puro, se tivéssemos uma rede de saneamento universal, onde todo o esgoto fosse coletado e tratado. Que impacto isso teria na saúde dos mais pobres? Há conexões absolutamente cruciais entre uma coisa e outra.
PERGUNTA – A reforma tributária tem um papel no andamento dessa agenda ambiental?
ARMINIO FRAGA – A reforma tributária, do jeito que está sendo discutida, tem uma dimensão que é a consolidação dos impostos indiretos e uma segunda dimensão que diz respeito ao Imposto de Renda, que já devia estar em pauta há muito tempo, porque o nosso sistema é cheio de distorções e brechas que contribuem para a regressividade. Quando se entra no meio ambiente, estamos indo além e pensando no sistema tributário como uma ferramenta regulatória. E aí há bastante espaço para se trabalhar. De um lado, eliminar os subsídios ao carbono e, de outro, criar incentivos para investimentos nessa área. Algo que precisaria sem bem desenhado, porque temos uma longa história de subsídios industriais que nunca deram muito certo.
PERGUNTA – Seria algo então para além da reforma que já está em discussão?
ARMINIO FRAGA – A reforma tributária que está em discussão trata mais do desenho do sistema. O uso de impostos com fins regulatórios em tese não necessita de uma reforma. Seria uma decisão de política pública agir nessa direção.
PERGUNTA – Como o senhor avalia a atuação do ministro Paulo Guedes em resposta à pandemia?
ARMINIO FRAGA – O papel dele foi o de abrir o cofre. No geral, o país gastou muito, e é razoável dizer que poderia ter gastado melhor. Mas houve pelo menos uma disposição de se gastar, já que é um gasto temporário e necessário, sobretudo aquele com saúde. O gasto em assistência social também era necessário e foi feito em volume bastante grande. Agora a pergunta passa a ser outra: até onde isso é sustentável? Passados esses meses, os números estão se mostrando imensos. Aí começa a fazer sentido pensar numa estratégia de administrar esse legado.
PERGUNTA – O senhor vê perspectivas para o avanço da agenda de reformas no pós-pandemia?
ARMINIO FRAGA – As reformas vêm acontecendo desde o governo Michel Temer e eu vejo no Congresso um ímpeto reformista. Acredito que isso deve continuar. Mas não adianta esperar que no curtíssimo prazo a nova lei do saneamento vá provocar uma explosão de investimentos no setor, porque além de uma base regulatória adequada e de juros baixos, é preciso também confiança. Além disso há áreas onde o governo federal precisaria assumir a liderança, sendo os grandes destaques a reforma administrativa, que precisa acontecer o quanto antes, e a PEC Emergencial.
PERGUNTA – A atuação conjunta dos ex-ministros e ex-presidentes do BC deve ficar restrita à carta lançada nesta terça-feira [14], ou devem haver também ações de ordem prática?
ARMINIO FRAGA – Não está muito claro ainda o que pode sair daí. O grupo está disposto, cada um do seu jeito, a seguir no debate. Esse tema vai ficar cada vez mais em pauta, então podem surgir chances de contribuir com ideias mais concretas. O que estamos vivendo representa uma oportunidade para o Brasil ajudar a cuidar de um tema global da maior importância, que é o aquecimento global, que se não for interrompido vai nos trazer um desastre muito provavelmente bem maior do que a pandemia, que já é uma tragédia. Mas além de tudo, isso é bom para nós. O Brasil não está negociando com ninguém, é um ganha-ganha. Isso me dá alguma esperança de que nós possamos cair na real e mudar a maneira de lidar com essa questão.