BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A União registrou antes mesmo da chegada do novo coronavírus um patrimônio líquido negativo recorde de R$ 2,982 trilhões. O dado foi registrado ao fim de 2019 e representa um aumento de 23% em relação a um ano antes, impulsionado por fatores como o déficit nas contas públicas e decisões judiciais desfavoráveis.
O patrimônio líquido da União representa a diferença entre os ativos e direitos do país (como dinheiro em caixa, receitas a receber, participação em estatais e imóveis) menos as contas que precisa pagar (como dívidas, aposentadorias e passivos decorrentes de decisões da Justiça).
O indicador ficou no vermelho pela primeira vez em 2015 depois que o Tesouro Nacional aderiu a normas internacionais de contabilidade, e desde então tem se agravado de forma contínua.
Heriberto Vilela do Nascimento, coordenador-geral de contabilidade da União, diz ser comum o indicador ficar no negativo também em outros países, mas que o tamanho do número chama atenção no caso brasileiro.
“É esperado que fique negativo, mas o volume está muito grande e isso gera uma necessidade de eu ter que reverter essa tendência, pois o que estou deixando para as gerações futuras é dívida”, afirma Nascimento.
Diversos fatores levaram à piora nos números. O Tesouro elenca itens como as diversas destinações carimbadas da receita obtida (o que dificulta a administração financeira), o fato de a União ter que se endividar até para atividades operacionais e a inadimplência de estados e municípios.
Também estão na lista o alto volume de créditos tributários e de dívida ativa a receber (R$ 4,253 trilhões) enquanto a expectativa média de recuperação é baixa (em torno de 15%).
Outro fator relevante é o aumento expressivo das provisões para perdas judiciais e administrativas (de R$ 169,9 bilhões em 2018 para R$ 681,2 bilhões em 2019). Esse aumento se deve a uma mudança de metodologia do Tesouro para classificar riscos judiciais e também a diferentes decisões desfavoráveis ao longo do ano.
A principal decisão é do STF (Supremo Tribunal Federal), que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que gerou impacto de R$ 246 bilhões nas contas.
Também há perdas registradas em ações ligadas à lei Kandir (que concede recursos da União a estados exportadores), a imunidade em variações cambiais na exportação e até a reajuste para servidores da Receita.
A modelagem de certas políticas também acabou gerando provisões, como o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Nesse caso, a União tem a receber R$ 91 bilhões e as perdas estimadas são de aproximadamente R$ 20 bilhões.
Os números nos próximos relatórios devem ser ainda piores considerando o rombo histórico de mais de R$ 828 bilhões do setor público de 2020 e ainda o déficit da Previdência.
A projeção do déficit do regime geral de Previdência social para 2020 é de 3,04% e poderá chegar a 7,65% em 2060 (antes da reforma da Previdência, projetava-se um déficit de 11,64% para o mesmo ano). A avaliação do Tesouro é que a mudança de regras amenizou, mas não conteve o crescimento do déficit projetado.
Não está nas contas de 2019 um ajuste feito para incorporar os passivos com aposentadorias e pensões ligados a militares (que antes não eram considerados). Só nesse caso, são mais de R$ 500 bilhões em passivos.
Para Nascimento, o país precisará buscar medidas e reformas que amenizem o déficit nas contas públicas como a desvinculação de receitas, a maior na recuperação de créditos tributários e a privatização de ativos como estatais.
As medidas listas pelo coordenador estão na pauta da equipe econômica, mas ficaram em segundo plano durante a implementação de medidas para minimizar o impacto econômico da pandemia.